sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Soco de Augusto Nunes em Glenn Greenwald é o cartão de visitas de um país que está doente

O jornalista norte-americano Glenn Greenwald fala à Comissão de Constituição e Justiça do Senado sobre os vazamentos da Lava Jato, em julho. Foto: Adriano Machado/Reuters

Vencedor na categoria Serviço Público do Prêmio Pulitzer de 2014, o mais prestigiado dos EUA, o jornalista Glenn Greenwald se encontrou com o que o jornalismo brasileiro tem de mais baixo na última quinta-feira, dia 7.

Para quem trabalha com jornalismo, gosta de jornalismo e acredita que o jornalismo serve como a interface entre discursos oficiais, verdades pré-estabelecidas e maniqueísmos dos mais rasteiros, o soco oferecido pelo por Augusto Nunes como cartão de visita ao colega estrangeiro representa a falência de qualquer possibilidade de diálogo ou crença na atividade jornalística como atividade essencial a um país adoecido.
O cenário, aliás, era propício em um tempo em que não são os fatos que modulam as opiniões, e sim o contrário. Um tempo em que debate se transforma em atração de circo, como um repente de lacração. Vence quem dá a palavra final. Quem detona. Quem humilha (basta procurar as versões editadas desse tipo de confronto no YouTube para ver que é disso que se trata). Quem sai vivo.
Como se a realidade não fosse uma construção contínua permeada de pontos-e-vírgulas que dispensam ponto-final. O ponto-final é a morte. A morte, aqui, como alegoria do exercício jornalístico em seu estado vegetativo.
No programa, Augusto Nunes foi chamado de covarde após lançar dúvidas sobre a capacidade do jornalista americano e seu parceiro, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), cuidarem de seus filhos.
Foi o que ele insinuou em setembro, quando usou seu espaço na rádio para dizer que Glenn Greenwald passa o dia “dando chiliques no Twitter, ou trabalhando de receptador de mensagens roubadas”, enquanto Miranda ficava em Brasília “lidando com rachadinhas”. “Quem é que cuida das crianças que eles adotaram? Isso aí o juizado de menores devia investigar”, provocou Nunes.
A preocupação de Nunes, claro, não era com as crianças. Era com as inúmeras rachaduras na narrativa sobre heróis e vilões, bandidos e mocinhos, apontadas pela equipe de Greenwald no site The Intercept Brasil desde o início da Vaza Jato.
Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) manifestou o temor de que a agressão fosse não o auge de uma onda de intolerância, mas o ponto de partida. Tem motivos para se preocupar, a se observar a série de ataques observada nas redes sociais ao longo do dia, um dos mais tristes da história do jornalismo brasileiro.
O episódio, segundo a entidade, foi usado como “exemplo de comportamento a ser adotado pelos descontentes com a imprensa em geral”. Incluído por quem se beneficia disso em suas plataformas políticas.
O clima de intimidação acontece em um momento de recrudescimento do discurso de Jair Bolsonaro contra veículos considerados “inimigos” - ou indispostos a aplaudir todos os seus discursos e ações.
Para piorar, a previsão meteorológica do cenário político é de chuvas e trovoadas. No mesmo dia, o Supremo Tribunal Federal concluiu, por 6 votos a 5, que condenados na Justiça só devem começar a cumprir pena após a ação transitar em julgado. Ou seja: presos em segunda instância podem recorrer em liberdade. 
É o caso de 5.000 detentos atualmente, entre eles o ex-presidente Lula.
Se for mesmo solto, ele poderá se converter no alvo preferencial da fagulha de ódio do debate político que contamina, apodrece e amordaça, com tapas e intimidações, o jornalismo profissional.
Por Matheus Pichonelli – Yahoo Notícias

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