O jornalista norte-americano Glenn Greenwald fala à Comissão de Constituição e Justiça do Senado sobre os vazamentos da Lava Jato, em julho. Foto: Adriano Machado/Reuters |
Vencedor na
categoria Serviço Público do Prêmio Pulitzer de 2014, o mais prestigiado dos
EUA, o jornalista Glenn Greenwald se encontrou com o que o jornalismo
brasileiro tem de mais baixo na última quinta-feira, dia 7.
Para quem trabalha com jornalismo, gosta de jornalismo e
acredita que o jornalismo serve como a interface entre discursos oficiais,
verdades pré-estabelecidas e maniqueísmos dos mais rasteiros, o soco oferecido
pelo por Augusto Nunes como cartão de visita ao colega estrangeiro representa a
falência de qualquer possibilidade de diálogo ou crença na atividade
jornalística como atividade essencial a um país adoecido.
O cenário,
aliás, era propício em um tempo em que não são os fatos que modulam as
opiniões, e sim o contrário. Um tempo em que debate se transforma em atração de
circo, como um repente de lacração. Vence quem dá a palavra final. Quem detona.
Quem humilha (basta procurar as versões editadas desse tipo de confronto no
YouTube para ver que é disso que se trata). Quem sai vivo.
Como se a
realidade não fosse uma construção contínua permeada de pontos-e-vírgulas que
dispensam ponto-final. O ponto-final é a morte. A morte, aqui, como alegoria do
exercício jornalístico em seu estado vegetativo.
No programa,
Augusto Nunes foi chamado de covarde após lançar dúvidas sobre a capacidade do
jornalista americano e seu parceiro, o deputado federal David Miranda
(PSOL-RJ), cuidarem de seus filhos.
Foi o que ele
insinuou em setembro, quando usou seu espaço na rádio para dizer que Glenn
Greenwald passa o dia “dando chiliques no Twitter, ou trabalhando de receptador
de mensagens roubadas”, enquanto Miranda ficava em Brasília “lidando com
rachadinhas”. “Quem é que cuida das crianças que eles adotaram? Isso aí o
juizado de menores devia investigar”, provocou Nunes.
A preocupação de
Nunes, claro, não era com as crianças. Era com as inúmeras rachaduras na
narrativa sobre heróis e vilões, bandidos e mocinhos, apontadas pela equipe de
Greenwald no site The Intercept Brasil desde o início da Vaza Jato.
Em nota, a
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) manifestou o temor
de que a agressão fosse não o auge de uma onda de intolerância, mas o ponto de
partida. Tem motivos para se preocupar, a se observar a série de ataques
observada nas redes sociais ao longo do dia, um dos mais tristes da história do
jornalismo brasileiro.
O episódio,
segundo a entidade, foi usado como “exemplo de comportamento a ser adotado
pelos descontentes com a imprensa em geral”. Incluído por quem se beneficia
disso em suas plataformas políticas.
O clima de
intimidação acontece em um momento de recrudescimento do discurso de Jair
Bolsonaro contra veículos considerados “inimigos” - ou indispostos a aplaudir todos os seus discursos e ações.
Para piorar, a
previsão meteorológica do cenário político é de chuvas e trovoadas. No mesmo
dia, o Supremo Tribunal Federal concluiu, por 6 votos a 5, que condenados na
Justiça só devem começar a cumprir pena após a ação transitar em julgado. Ou
seja: presos em segunda instância podem recorrer em liberdade.
É o caso de
5.000 detentos atualmente, entre eles o ex-presidente Lula.
Se for mesmo
solto, ele poderá se converter no alvo preferencial da fagulha de ódio do
debate político que contamina, apodrece e amordaça, com tapas e intimidações, o
jornalismo profissional.
Por
Matheus
Pichonelli – Yahoo Notícias