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| © Isac Nóbrega/PR/Divulgação O presidente Jair Bolsonaro |
Ao
afirmar no sábado 2 que havia pego as gravações da portaria do condomínio
Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, onde tem casa, antes que elas fossem “adulteradas”, o
presidente Jair Bolsonaro entrou na mira de
ações da oposição pelo crime de obstrução de Justiça no
caso do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL).
Os líderes opositores na
Câmara e no Senado, Alessandro Molon (PSB-RJ) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), irão representar contra o presidente
na Procuradoria-Geral da República (PGR), à qual cabe atuar junto ao Supremo
Tribunal Federal (STF). O PSOL entrará com uma queixa diretamente no STF.
O crime de obstrução de
Justiça está previsto na lei 12.850/2013, que trata das organizações
criminosas. O parágrafo 1º do Artigo 2º do texto dispõe que deve ser condenado
a uma pena de três a oito anos de prisão “quem impede ou, de qualquer forma,
embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”.
A declaração do presidente sobre pegar as gravações
vieram depois de o Jornal Nacional, da TV Globo, revelar o
depoimento de um porteiro do condomínio à Polícia Civil do Rio segundo o qual,
no dia do assassinato de Marielle e do motorista dela, Anderson Gomes, em março
de 2018, o ex-PM Élcio Queiroz, suspeito de dirigir o carro usado no crime, foi
até o condomínio e pediu para ir à casa de Bolsonaro. Na versão do porteiro,
“seu Jair” atendeu e permitiu a entrada de Queiroz, que teria seguido direto à
casa do também ex-PM Ronnie Lessa, suspeito de ser o autor dos disparos que
atingiram Marielle e Anderson. Bolsonaro estava em Brasília na data.
No dia seguinte à reportagem, o vereador Carlos
Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter um vídeo com os áudios do sistema de
gravações das ligações do condomínio. Conforme os arquivos, a casa acionada
pela portaria a respeito de Élcio Queiroz foi a de Ronnie Lessa, e não a de
Bolsonaro. O Ministério Público do Rio acabou confirmando que o porteiro mentiu
no depoimento.
“Eu estava aqui (em Brasília), não estava lá. E
outra, nós pegamos antes que fosse adulterado, pegamos lá toda a memória da
secretária eletrônica, que é guardada há mais de anos, a voz não é minha. Não é
o seu Jair”, afirmou Bolsonaro no sábado.
Para o doutor em direito penal pela USP Conrado
Gontijo, o assassinato de Marielle pode ser interpretado como ação de uma
organização criminosa e, portanto, a o acesso pelo presidente à prova pode ser
enquadrado como a obstrução prevista na lei 12.850/2013. “O procedimento dele
foi completamente equivocado e descabido, quebrou a cadeia de custódia da
prova, que deveria ser disponibilizada somente às autoridades”, afirma.
Em entrevista à RecordTV neste domingo, 3,
Bolsonaro foi questionado hoje se havia sido mal interpretado e afirmou que as
acusações são de “quem não tem o que fazer”. Ele explicou como se deu o acesso
ao material. “O que eu fiz foi filmar a secretária eletrônica com a respectiva
voz de quem atendeu o telefone. Só isso, mais nada. Não peguei, não fiz backup,
não fiz nada. E a memória da secretária eletrônica está com a Polícia Civil há
muito tempo. Ninguém quer adulterar nada, não. O caso Marielle, eu quero
resolver também. Mas querer botar no meu colo é, no mínimo, má-fé e falta de
caráter”, disse o presidente.
Na avaliação de Gontijo, mesmo que os arquivos
originais do sistema do condomínio não tenham sido levados por Bolsonaro, o
acesso indevido à prova permanece. “Uma vez que ele toca na prova, ele a
contamina. Hipoteticamente, consegue-se acesso antecipado a uma determinada
informação e, assim, o leque de possibilidades de manobrar situações
secundárias é infinito. O gesto é bastante grave e precisa, sim, ser
investigado, para compreender qual foi o real objetivo dele ao tomar essa
atitude”, diz.
Lava Jato
Ao longo da Operação Lava Jato, dezenas de prisões
preventivas foram decretadas com base no risco da prática do crime de obstrução
às investigações, como nos casos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e do
ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, ambos do MDB, que têm
preventivas em vigor há três anos.
Com base na lei 12.850/2013, a Procuradoria-Geral
da República (PGR) e o Ministério Público Federal (MPF) na primeira instância
apresentaram denúncias à Justiça por este tipo de delito em diversas ações,
tendo entre os acusados os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff, o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), o ex-senador Delcídio do
Amaral e o ex-ministro Aloizio Mercadante.
Denunciados pelo crime no processo envolvendo a
suposta compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, Lula e
Delcídio foram absolvidos pela Justiça Federal do Distrito Federal.
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