© ADRIANO MACHADO (Reuters) O presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, no último dia 4 de fevereiro. |
Os covardes
machistas podem fingir que não são covardes machistas, mas em
algum momento eles se revelam. E não há momento mais oportuno para os atores
públicos do Brasil mostrarem que não o são, longe de serem coniventes com a
baixaria empreendida pelo presidente Jair
Bolsonaro contra a repórter
Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, na manhã desta terça-feira. Num país em que 52% do
eleitorado é feminino, deputados e senadores deveriam ficar alertas. Eles têm a
grande oportunidade de mostrar que não vão deixar a vulgaridade assumir o
Brasil, rasgando todo e qualquer senso de decência do Estado em relação a uma
mulher, deixando que se propague uma
mentira orquestrada dentro do Congresso. Deixem de lado o
fato de Patrícia ser jornalista. Ela é mulher. Poderia ser uma economista, uma
copeira, uma faxineira, uma jogadora de futebol. Ela foi exposta com
insinuações sexuais por um presidente, como nunca o Brasil viu. Ele não está na
mesa de bar com amigos, está na frente
das televisões dizendo que Patrícia queria “dar um furo a qualquer
preço”, sugerindo sexo em troca de informação que é o mesmo que chamar uma
mulher de prostituta. Só uma cabeça pervertida pode se sentir tão à vontade
para dizê-lo em alto e bom som.
Nunca
na democracia um chefe de Estado havia caído tão baixo apelando à vulgaridade
para falsear a realidade. Quiçá no mundo. Nem Donald Trump chegou a tanto. O
Congresso tem as provas à mão para admitir que Hans River do Rio Nascimento
mentiu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). A insinuação
asquerosa de Bolsonaro, pai de uma filha de 9 anos, chega a um patamar nunca
visto no Brasil. Todo mundo sabia do que Bolsonaro era capaz, desde que ele
xingou uma repórter em abril de 2014. Mas editou a si próprio para fazer sua
campanha e venceu. Legitimamente. Desde então, empreende uma guerra
grosseira, agressiva e mentirosa contra a realidade para esquivar-se de suas
próprias capivaras. A morte de Adriano da Nóbrega, que
convenientemente morreu nas mãos da polícia da Bahia, governada pelo Partido
dos Trabalhadores, foi um presente no colo de Bolsonaro que agora se tornou o
maior defensor de presos assassinos, embora repetisse sempre que “direitos
humanos era para humanos direitos”, e seja um dos que faz coro ao jargão
“bandido bom é bandido morto”. De onde vem essa mudança? Os homens públicos
deste país, empresários e agentes da Justiça vão deixar que o que já se
construiu em termos de sociedade vá para o ralo? Em nome de quê?
Senhores deputados e
senadores, vocês podem ter um papel tremendamente decisivo neste início de
2020. Pelas suas filhas, pelas suas mães, pelas suas eleitoras, pelas suas
irmãs. Não desprezem a construção que mulheres têm feito até aqui por
um país mais decente e menos violento. A violência das palavras de um chefe de
Estado reverbera em todas as esquinas e rincões do Brasil. Já se matam uma mulher a cada duas horas aqui,
um estupro acontece a cada 11 minutos. Tenham decência, coragem, de estancar
esta sangria desatada que abriu as portas para uma perversidade gratuita. Vocês
foram eleitos para que o Brasil fosse um país melhor, mais próspero, mais
respeitado, mais ético. Não há melhora onde uma mentira é naturalizada na Casa
em que vocês representam cada brasileira. Não há prosperidade num país onde se
quer estabelecer o medo como forma de governo. Não há respeito por um país que
fecha os olhos e silencia diante dos disparates que estamos assistindo. Isso
também é corrupção. Corromper seu papel público em nome do poder.
Bolsonaro
se cercou de ministros sem filtro, como Paulo Guedes, ou Abraham
Weintraub, e nos vemos agora tentando medir quais declarações foram
mais ou menos canalhas que outras. O primeiro ano já havia sido execrável e
neste 2020 ele dobrou a aposta. Brasil perverso. Estamos perto do dia 8 de
março. Isso vai ter impacto. Foi assim que começaram grandes
manifestações femininas pelo mundo. O presidente está dando farto material para
as campanhas de seus adversários e dos inúmeros inimigos que está fazendo.
Sabendo-se que é incorrigível e que está cego pelo poder, vai tropeçar em suas
próprias palavras.
El País